20.9.16

2ª parte - O incêndio

O espectador/ator do filme senta-se na sua poltrona. O ar condicionado do velho cinema arrefece-lhe o corpo por momentos do calor que fazia antes de entrar no velho e decrépito local onde anos antes, fazia a delícia de uma vida ainda no início das corridas onde o prazer se sobrepunha ao agora sacrifício de ter que calçar as sapatilhas e correr pelas velhas calçadas como se não houvesse amanhã. Mas o amanhã chegou mais depressa do que tinha imaginado e a vontade esmorece dia a dia.

Ouve-se de novo o gongo. As cortinas abrem-se à sua frente e ele é de novo catapultado para o interior do filme, do seu próprio filme.

A viagem decorre sem sobressaltos. Quilómetros percorridos, as planícies alentejanas desfilam perante os seus olhos, com a terra da cor do ouro. O calor continua inclemente. Uma placa indica que a paisagem alentejana será substituída pela algarvia. Quase a chegar ao local de destino veem-se nuvens de fumo, muitas nuvens de fumo, a serra ardia.

De longe era fantasmagórico, de perto seria o inferno de Dante. Centenas de homens e mulheres tentavam apagar o que mãos criminosas tinha incendiado.

Chegado ao destino. Era já tarde e o calor não era convidativo a não ser para o almoço e depois um refrescar nas águas da piscina.

Nesse dia, o fogo seria debelado. Faz-se o rescaldo do que tinha ficado em pé, dos animais mortos, das pessoas que ficaram sem os seus haveres.

Mas foi "sol de pouca dura". Nessa mesma noite, de madrugada, o fogo reacendeu-se. E a luta dos soldados da paz volta de novo para outras paragens da mesma serra. Uma luta titânica contra a força dos elementos e mãos criminosas que se fosse no Congo do ditador Mobutu, seriam decepadas para não voltarem a fazer o mesmo. Mas vivemos numa democracia e as mãos que incendeiam podem voltar a fazer o mesmo enquanto o calor continuar.

O vento muda de direção. Ele tenta calçar os ténis para de novo voltar à estrada pois uma maratona o espera. Sente o cheiro de terra queimada. O sol fica "manchado" da cor do sangue. A cidade envolta num vermelho, a respiração dificultada pelo ar rarafeiro. As cinzas espalham-se por tudo o que é sítio. Não havia condições para correr. A lua surge tal como o sol, envolta num vermelho que vem das entranhas da serra, das chamas que lavram por mato e pinheiros, das chamas que voltam a consumir o trabalho de uma vida, os animais da sua subsistência, da lavra que mitigue a fome.

Desiste. Durante dias a serra arde, nada havia a fazer senão aguardar por melhores dias que vieram muito depois, se calhar já tarde demais.