9.8.12

50 km UTNLO - 2012*

21 Horas, mais coisa menos coisa, o início daquilo que me propus fazer, 50 km para despedida da minha década dos 50 anos.

Nunca tal distância tinha percorrido nem treinos para isso tinha feito, ia à aventura. Quanto tempo demoraria era o menos importante. Sabia, é que ia acabar.

Saída do “Campo da Bola” dentro das muralhas do Castelo de Óbidos, com o pessoal agrupado, até à saída onde seria dada a partida.

Foto: Paula Fonseca
Nuvens de pó se levantavam já que o trajeto era em terra batida. Uma escadaria enorme, já minha conhecida do ano anterior onde tinha feito a prova mais curta (25km). Junto-me a um grupo que durante km se manteve unida. Os estradões sucediam-se, a placa dos 10km surge e pouco depois uma subida que teria que ser feita com a ajuda das raízes das árvores. Abastecimento aos 15 km e uma pausa para beber e comer qualquer coisa. E mais uma vez fico com cólicas só bebendo água (já está a ser frequente esta situação).

Sigo com a Dina, Paulo Mota e demais companheiros do grupo. O frontal vai assinalando os refletores, até aí tudo bem, não havia motivos para alarme, estava tudo no trilho certo. Caniçais, um ‘tapete’ macio sob os pés e eis que estes começam a enterrar-se. Um cheiro pestilento invade-nos, estávamos atolados em lodo. Surge um vau. Água suja e uma procura de se saber por onde tínhamos que passar para a outra margem, não havia nenhuma ponte. Do outro lado da margem o refletor “piscava-nos o olho” como a dizer: «Pois é, têm que atravessar aqui mesmo!». Avança o Paulo Mota e nós logo atrás. Pensei na Analice que pequenina teria muita dificuldade em o atravessar.

Vou perdendo de vista o casal Mota mas vou encontrando outros companheiros entre eles, o João Martins e o Telmo Pinto. Km25, paragem para mais um abastecimento. Aproveito para lavar os ténis e as meias cheias de lodo e fedorentas. Ouvia-se o mar, estávamos a chegar ao ponto mais duro da prova. Sigo com o João Martins.

A areia solta dificultava um pouco o andamento mas nada de mais. A primeira duna, a dificuldade aumentou mas até fiquei surpreendido em verificar que estava a subi-la bem. Subida feita e o primeiro contratempo, não se vislumbrava o refletor. A procura e os companheiros atrasados a dizerem-nos que o trilho era por onde já tínhamos passado. Claro que ao chegar ao cimo desceram como nós o fizéramos e ali procuramos o trilho certo. O João lá conseguiu detetar e seguimos.

Mais areia e mais uma subida. A meio dessa duna, que já não era de areia solta, dizia a Célia Azenha: «Vocês nem sabem o que vos espera do outro lado» e, após isso, uma cãibra (há anos que não tenho e lembrei-me que, durante o percurso para Óbidos, tinha uma garrafa no carro com a minha ‘limonada’ e não tinha bebido. Estava a pagar ali o esquecimento). Caio mesmo ali na duna e um companheiro que vinha com a Célia Azenha ajudou-me e o músculo foi ao sítio. Teria que diminuir a marcha. Não podia arriscar ter mais nenhuma cãibra naquele lugar.

Os companheiros seguiram sem antes o que me ajudou dizer que se necessitasse de ajuda apitasse que ele voltaria atrás. Obrigado companheiro! E ali fiquei sozinho, vendo as luzes cada vez mais longe, subi e desci com cautela e ao primeiro sinal de dor no gémeo, parava. Em cima do terreno olhava para o céu. Pequenas nuvens iam tapando a lua. Começava a chuviscar.

O mar, com as suas ondas esbranquiçadas, iam e vinham batendo na areia ora com fulgor ora de mansinho. Os ruídos da noite, o piar de um pássaro, um grilo, o rastejar de algo que por ali passava na vegetação rasteira. Fui andando, fui descendo, fui subindo. Uma subida mais íngreme com dificuldade técnica acrescida esperava-me. Lentamente fui subindo, o músculo reagia a cada impulso mas estava determinado, não ficaria ali. Depois da subida mais areia, vêm dois elementos da organização a saber se havia mais alguém para trás, disse que sim e segui. Quando pensava que a areia tinha acabado, mais ainda até perto do km32, onde se encontravam os companheiros de equipa Ricardo Diez e Anabela Pacheco no controlo. Tinha percorrido os 7km mais difíceis, iria chegar ao fim.

Paro neste abastecimento, as cólicas não me tinham passado, aproveitei para comer só laranja. Sento-me, retiro as meias, lavo os pés e os ténis e calço outras meias. Aquelas ficaram ali. Tinham cumprido a sua missão.

Foram chegando companheiros, entre eles, o Joaquim Adelino que vinha com o Luís Miguel, o Helder Tomé e o Rodolfo Rapaz. Sigo com o Rodolfo e logo a seguir nada de refletores. Para trás e para adiante e nada. Junta-se parte do grupo que tinha ficado no abastecimento. Frontais para aqui e para ali, até que se consegue ver um refletor no meio do arvoredo. Ali vamos nós. Vou com o Joaquim e o Luís. O terreno era mais aberto e trilhos não muito difíceis. O Luís para tirar a areia e o Joaquim aproveita também para o fazer. Como o tinha feito no abastecimento continuo contando que, mais tarde ou mais cedo, este duo se junte a mim. Alcanço o Rodolfo e curiosamente nunca mais parei. Ora correndo ora andando, vou sempre em bom ritmo. De novo apanho o João Martins e vamos muito tempo juntos. Depois ele, com melhor andamento, segue e eu vou ficando.

Ao km 42 passa por mim o grande alpinista João Garcia. Aos 46 a Analice, falo e ela não me reconhece. O Castelo à vista. E, pela 3ª vez, na fraldas do Castelo, problema com os refletores. Apresentavam-se à minha esquerda e era por ali que tínhamos vindo à partida. Subo e desço à procura do local certo (houve aí quem fizesse mais 8km para além do previsto).

Vejo luz ao longe e pensei que seria o Joaquim Adelino, não era, era o Helder Tomé. Juntos, procuramos saber qual o caminho correto. Vamos para onde estavam os refletores à esquerda. Subimos e o Hélder descobre o caminho que nos deveria levar ao Castelo. Digo deveria levar, porque não foi isso que aconteceu. Podem muitos dizer que aquilo é cereja no topo do bolo. Pode ser para muitos o próprio bolo mas para mim e para muitos não o foi devido ao cansaço já acumulado. Subir de noite aquela escarpa e descer sem grande locais de apoio com o terreno escorregadio, não há sapato que consiga ‘agarrar’ sem umas quedas pelo meio.

Fui descendo apoiando nas mãos e de ‘rabo’ no chão sempre com o Hélder por perto. Com uns arranhões pelo meio lá desci. Chegamos de novo à base e subimos pelo local que tínhamos subido o ano passado.

Entrei no Castelo 7h59’13’’ depois. Terminara a minha Odisseia. Chegara ao fim. Tinha cumprido o prometido!

Final da prova. Foto: "O Mundo da Corrida"