16.1.21

10 km pós Covid

No dia 3 de novembro recebi um telefonema de uma médica do Hospital Beatriz Ângelo, onde estive internado 23 dias a curar do Covid (saí do Hospital a 1 de outubro).

Surgiu luz verde, podia começar os treinos.

No dia seguinte comecei a treinar, objetivo 3 km sem parar. Consegui somente 1 km nesse dia. O resto foi caminhar intercalando com a corrida.

Corria três vezes por semana. Aos poucos ia aumentado o tempo de corrida. Mas não tinha massa muscular suficiente e cansava-me rapidamente (sequelas da doença). Ao 5º treino corria 1870 metros.

No dia 30 desse mês consegui correr os 3 km. Uma vitória para quem estava tão debilitado. Objetivo seguinte, 5 km.

No dia 18 de dezembro os 5 km sem parar. Consolidados os 5 km, objetivo seguinte, fazer 10 km até ao fim de janeiro.

6 km/7 km/8 km. Estes 8 km feitos no dia 14 deste mês.

Hoje, com 48 horas de descanso após esse treino de 8 km, que força se apoderou de mim? Hoje tinha que ser. No mesmo local onde treinava a Analice, fazia 8 km já cansado, mas não podia parar. Algo surgiu que me ajudou nesses dois últimos quilómetros.

... e, junto ao Clube das Patameiras, as lágrimas correram, tinha conseguido o objetivo.

"Tinha vencido a doença, tinha vencido os km"

9.1.21

Covid - 19 - O Tabuleiro

Notas finais.

Aos poucos vou recuperando a memória do que passei no hospital. Desde o meu primeiro banho de chuveiro que tão bem me soube ainda estava na UCI, dos enfermeiros Andrés (num turno eram todos André) às enfermeiras, às fisioterapeutas que me iam ajudando a fazer exercícios de recuperação tanto do andar (ia com um carrinho percorrendo toda a área da UCI), como respiratórios.

Aos que com a sua palavra de apoio e incentivo me iam ajudando a suportar toda a fase de recuperação do malfadado vírus, a quem me tentou fazer a barba, quando ele já não fazia a dele há quatro anos.

A todos os que estavam na UCI com aquele vestuário de astronauta, com o suor a escorrer-lhes pelo rosto, com dificuldades respiratórias devido às máscaras que usavam que tinham muitas vezes que sair para o exterior apanhar ar antes que desmaiassem (e isso ia acontecendo com uma das minhas fisioterapeutas), a todos eles e elas, o meu muito OBRIGADO. Foram enormes!
Uma das fases más era o de tirar o sangue para análise todos os dias, a busca pelas veias até que me colocarem um cateter para o efeito, ou junto ao pulso das artérias diminutas que me doíam terrivelmente, os elétrodos pelo corpo ligados à máquina, a algália, o não dormir, o olhar e ver outros nas mesmas condições numa luta contra a morte. O prazer de ver um companheiro da desdita no tal carrinho e percorrer os caminhos da vida.

Que todos se tenham salvado e estejam todos bem.

Uma coisa que sempre tive foi apetite. Todos os dias tinha pequeno-almoço, almoço, lanche e jantar. Doses pequenas mas que me sabiam bem. Enquanto estive na área Covid, o jantar trazia sempre o pequeno-almoço. Todos os dias de manhã impreterivelmente às 8:30, estava a tomar o pequeno-almoço. Depois do banho, sentava-me no cadeirão e ali ficava até ao lanche. De vez em quando lá dormitava, pois como referi, à noite era quase impossível fazê-lo pelos motivos que descrevi. Como a fruta era quase sempre maçã ou laranja, um dia perguntei à auxiliar se não arranjava uma banana. Ela saiu e pouco depois trazia uma banana para me dar. Não sei onde ela a foi desencantar mas, como o café, soube-me tão bem!...

Nos quartos tínhamos uma TV com os quatro canais. Estavam tão altas que só com uma vassoura é que se conseguia desligar aquilo o que fazíamos por volta da meia-noite, já que no turno da noite, vinham as enfermeiras para mais um retirar de sangue, ou dar comprimidos.
Último quarto, depois do segundo teste negativo, vou para a zona dos 'não Covid'. De cadeira de rodas, com a botija de oxigénio, a enfermeira lá me vai levando pelos corredores. A meio do caminho, aparece a auxiliar que leva o jantar aos quartos. Tinha lá o meu tabuleiro. E agora como fazer já que eu ia para outra zona?! Não há problema - disse eu - Levo o tabuleiro nas pernas.

E por aqueles corredores lá ia eu sentado com o tabuleiro. Entrei na zona dos não infetados. No quarto, 'A' fazia um barulho tremendo dando gritos. Tinha tido um AVC. Estava totalmente paralisado. Tudo era feito através de tubos e sondas. Rapaz novo mas com quatro filhos, ia ser mais tarde transferido para uma outra unidade hospitalar.
Dia 30 de setembro - penúltimo dia. Aguardo os resultados das análises bacterianas devido à febre que tinha tido nos dias anteriores. Dia 1 de outubro - De manhã tive um corrupio de estudantes de medicina, do Hospital Santa Maria, a fazerem-me perguntas, a auscultar o meu corpo. Chegou depois o resultado das análises, tudo negativo. Tive alta às 15:49.
Se tive tanta gente à minha volta no período da manhã, quando vou sair do hospital, não tinha ninguém. Perplexo pergunto à enfermeira no balcão como sair dali. Vá por este corredor, vire à esquerda, depois...

Naquele momento ia uma senhora a sair do hospital em cadeira de rodas, empurrada por uma enfermeira. Olhe, aproveite e vá atrás desta senhora. E eu que tinha só andado uns cem metros em fisioterapia, na hora da saída andei quase meio quilómetro.

Este meu testemunho não é para mim, nem para terem pena do que me aconteceu. É para todos aqueles que pensam que o vírus não existe. Que é tudo uma invenção, que não passa de uma gripezinha e eu que durante todo o período nunca tive gripe.

É para aqueles que chamam de mentira ao meu relatado, como se eu tivesse algum prazer em contar tudo isto que passei.

É para aqueles que facilitam, que pensam que a eles isto não acontece.

A todos os que duvidam que esta doença existe, que nunca passem pelo que eu e muitos outros que estiveram comigo passaram. Que tenham sorte!

Sequelas que ficaram.

Umas demoraram cerca de um mês a curar, outras persistem embora já diluídas no tempo. Afinal já se passaram três meses que saí do hospital.

Rouquidão (resolvido)
Feridas no nariz que originavam problemas respiratórios (resolvido)
Tosse seca persistente (resolvido)
Alergias nas virilhas devido ao uso de cuecas de plástico (chamava a estas cuecas de CR7. Resolvido)
Perda do olfato e paladar (a caminho de os ter)
Cansaço generalizado (continuo com problemas)
Nevralgias (tive que arrancar um dente)
Perdi 10 kg e massa muscular (quase recuperados)
Falhas de memória (vou recordando aos poucos)

Cuidem-se!

5.1.21

Covid-19 - A Morte

Enquanto permaneci na UCI estive sempre durante o período da noite, com uma máscara terrível que insuflava oxigénio a 15L/min. tal a infeção que tinha nos pulmões, a máscara VNI. Durante o dia era uma outra máscara mais suave. À noite pedia a todos os santinhos para que rapidamente deixasse de ser dependente daquela máscara que me obrigava a estar de boca aberta, que me secava a garganta e o nariz mas, segundo os médicos, foi esta máscara que me 'salvou'.

Os médicos verificando que eu tinha melhoras aquando a sua utilização, fizeram-me perceber que a evolução da minha cura dependia da máscara. E eu claro acedi, iria sofrer dias com aquela máscara, até que um dia ma retiraram, só necessitava de um débito de 5L/min., aquela acabava ali a sua função.

Por duas vezes, porque me virava muitas vezes, o tubo soltou-se da máscara e eu aflito à procura dela mas lá consegui encontrar e encaixar. Todos os dias, depois do pequeno almoço, sentava-me num cadeirão por indicação médica. Como tive uma grande infeção, o estar sentado seria para expandir os pulmões. Sentava-me de manhã até ao lanche. Os enfermeiros ao verem-me tanto tempo ali sentado, perguntavam se não queria deitar e eu: Não! Se era para expandir os pulmões então vamos expandir.

Na hora que saí do UCI disse-me uma enfermeira: Sr. Mário, vamos ter muitas saudades suas - Porquê - perguntei - É que você não deu trabalho nenhum.

Claro que dei trabalho, mas procurei ser sempre colaborante e é isso que está no relatório.

Andei de quarto em quarto, ora em cama, ora de cadeira de rodas, sempre com uma botija de oxigénio atrás.

Depois de estar em quartos sozinho onde deambulava agarrado à cama, ou dando pequenos passos, sempre com a máscara, para isso colocaram-me um tubo com mais de 2 m para tanto ir tomar banho, como para andar o que podia (durante a permanência perdi 10 kg e muita massa muscular), fui para um quarto onde tinha companhia. Inicialmente um senhor de 81 anos que foi transferido para o Hospital das Forças Armadas dois dias depois. Admirava aquela pessoa, com aquela idade e cheia de força de viver. Durante a noite a única luz que tínhamos acesa era a da casa de banho para podermos lá ir sem ser às escuras.

Depois da saída deste companheiro (as camas eram sempre desinfetadas), perto da uma da manhã, entra um novo utente. Ligado a máquinas, com uma farfalheira terrível, fica ali a meu lado (tínhamos uma cortina a separar). As enfermeiras sempre em cuidados com ele, nessa noite não dormi nada tal era o barulho que o JS fazia (sei o nome mas, como é óbvio, não o coloco aqui).

Durante esse dia a farfalheira continuava. Eu olhava para ele impotente, ele com ar suplicante, as enfermeiras dando o seu melhor. Perto das três horas da tarde, a farfalheira deixou de se ouvir, um som cavo e silêncio absoluto.

JS tinha morrido!

foto: na cama que se vê ao fundo.

3.1.21

Covid -19 - O café

Fez no dia 1 de janeiro, três meses que saí do hospital curado do Covid-19.

Uma das sequelas é o 'lapsus memoriae'. Lembro-me de algumas coisas, outras não. Estive também perto de um mês e meio, sem dormir uma noite seguida. No hospital quando pretendia dormir, apareciam sempre imagens terríficas e, curiosamente, em vermelho. Milhares de lagostas ou parecidas, marchavam.

Numa roda gigante cortada ao meio no sonho, surgiam meios corpos de mulheres a olharem para mim com sorriso malévolo, um sujeito em evidência no meio de rostos (penso que isto pertence a uma publicidade mas ainda não descobri qual), todos a olharem em minha direção e tudo em vermelho. Como dormia mal, pedi que me dessem comprimidos para dormir, mas de nada valiam. Os sonhos persistiam numa tortura constante. Eu até evitava fechar os olhos para dormir.

Depois de quatro dias em coma, 'acordei' e sentia na cama, por baixo, uns altos, tipo gomos, que iam mudando, ora mais alto de um lado, ora de outro. Era um anti-escaras, que me foi retirado dias depois, porque eu fazia os possíveis para não estar sempre de barriga para cima. Agarrava-me aos ferros laterais da cama e ia-me virando. Perante isto disseram-me que como conseguia virar sozinho o melhor era tirar aquilo. Foi um alívio. Durante o tempo que estive com o Covid, nunca perdi o olfato e o paladar. Perdi depois.

A comida era passada tipo papa para crianças, até que uma enfermeira perguntou se tinha placa, como felizmente os dentes ainda são meus, disse que não, então a enfermeira referiu que não fazia sentido eu estar a comer aquilo e passaram a comida sólida (muito peixe comi).

Um dia, no turno da noite, em conversa com um enfermeiro (estive sempre com máscara de oxigénio) eu disse-lhe que tinha saudades de um café. Ele disse: <>.

Estava na UCI, pensei que isso só fosse para me fazer descansar.

No dia seguinte, depois de mais uma noite tormentosa, veio o enfermeiro do turno da manhã com um café na mão para mim.
"O meu colega disse que você queria um café, aqui está ele."

Foi o melhor café que tomei até hoje.