29.7.10

Jacta Alea Est (os dados estão lançados)


Embora já tenha realizado maratonas, esta será diferente das outras porque a mesma se efectua em… areia.

Serão 43 km de Melides a Tróia que irá colocar-nos à prova quanto à resistência humana, pois a mesma será em auto-suficiência, excepto perto dos 28.5 km que teremos direito a um litro de água.

Acreditem que não me assusta o desafio. O pior desafio que tive que vencer em provas às quais não estava habituado, foram os 40 km dos Trilhos de Almourol, pois os 52 km da Geira Romana só não foram vencidos porque me lesionei.

Durante estas semanas que antecederam, treinei onde sempre treinei já vai para quase 20 anos na época do verão… na praia. Ou durante as férias no Algarve, ou na minha Costa da Caparica, é na praia que me sinto bem. Sou nortenho, nasci junto ao mar, na minha Póvoa de Varzim, sou poveiro de sete-costados. A minha pele foi curtida pelo sol de Luanda que tanto amei e pela Costa que foi vendo a minha mudança de menino e moço no “velhote” que começo a ser.

A família Lima na praia da Floresta na Ilha de Luanda. Estou ao lado da minha Mãe.

O treinar na praia não me dá mais-valias pois as areias são diferentes e quem conhece a Póvoa sabe bem o que eu digo. A areia da praia de banhos não tem nada a ver com a areia mesmo ali ao lado do porto de pesca. Uma areia grossa que se faz fina bastando passar por isso um cais.

Embora não seja muito de ler os artigos referentes às provas dos meus companheiros e tomá-los como o supra sumo da sabedoria popular quanto a este ou aquele evento, é neles que vou “beber” um pouco do que poderei fazer e que caminhos tomar no que relaciona ao equipamento adequado, alimentos a tomar e aos líquidos a ingerir durante o percurso.

Tenho a referir que quanto a isso, o resultado foi quase… zero. Não há “cultura” ainda pré-definida nos escritos que possam ajudar quem pela primeira vez vai participar numa prova desta envergadura.

Confesso até que me fez sorrir certos conselhos dados (via mail) o que tomar durante o percurso. Não vou dizer aqui o que me foi transmitido por respeito a quem mo informou, mas não faz sentido aquilo que ouvi. A experiência, de 20 anos de corrida, diz-me que é lírico aceitar como verdade, aquilo que aos comeres dizem respeito. Tem que haver o bom senso e não dar falsas pistas para que o “caloiro” consiga levar o desafio a bom porto.

Assim eu próprio delineei para mim o seguinte. Este proceder não significa que tenham que o seguir. Cada um de nós é um caso diferente e se há quem antes das provas goste de beber um bom cálice de vinho do Porto, acordar a mulher para ter uma relação sexual, sentindo que assim a prova lhe irá decorrer da melhor maneira, para outros assim não será e quem sou eu para afirmar que aquilo que vou escrever, é a verdade acima de qualquer de outras verdades. Tudo aquilo que vou fazer foi testado por mim durante os treinos e provas que fiz. Posso é durante a prova alterar o processo, pois nada é imutável. Já fiz provas em que todos paravam a abastecer-se e eu seguia sem o fazer. Que nada seja feito sem ser testado primeiro.

. Quanto ao calçado, está definido. Meias pelo meio da coxa e as polainas aí apertadas.


. Calções de banho de lycra, já testados, com vaselina nas virilhas (a vaselina também serve para isto).

. T-shirt de algodão, cores claras. As técnicas não são, para mim, muito apropriadas para este tipo de prova, sufocam-me!

. No camelback:


Limonada caseira referenciada no site da UMA, já a faço há 20 anos:

Água, açúcar, uma pitada de sal e sumo de limão (irei levar no cinto um depósito com iguais produtos para juntar à água que nos será fornecida aos 28.5 km)

Nas duas bolsas laterais – Água sem aditivos

4 Bananas, pois a banana é um energético natural, para comer aos 10, 20, 30 e 40 km, se tal for necessário.

Contendo 3 açúcares naturais (sacarose, frutose e glicose) combinados com fibra, a banana dá uma rápida e substancial elevação da energia de cada um.

Pesquisas provam que apenas 2 bananas fornecem energia suficiente para 90 minutos de exercícios extenuantes.

Não é por acaso que a banana, como energético, é a fruta número um dos atletas de alta competição.


. No cinto para além do telemóvel, um cartão de identificação, três GEL de maçã, duas a três barras energéticas, umas tabletes de hidratos de carbono (podem não ser necessários mas nunca se sabe), e o tal reservatório com o composto para se juntar à água.

. Na cabeça o chapéu, óculos de sol (como aprendi com o Parro, a melhor forma dos óculos não embaciarem é cuspir neles).

Para quem não está habituado à praia um bom protector não faz mal nenhum.

Como disse Júlio César há mais de dois mil anos atrás:

Jacta Alea Est (os dados estão lançados)


Estou preparado para o desafio, venha ele!

8.7.10

O Chapéu

(Aqui fica a história do chapéu referido no tema anterior.)


Aqui, à minha frente, tenho um chapéu. Um chapéu como tantos outros mas um chapéu com história.


1975, a revolução já se tinha dado em Portugal. Em Tando-Zinze, Cabinda, junto ao Mayombe, uma companhia fazia ali o seu poiso. Às notícias vindas do “puto” respondíamos com a continuação das patrulhas pelos trilhos abertos naquela floresta, naquele mar vegetal.

Os interesses partidários engendrados à socapa em Portugal começaram a fazer-se sentir nas províncias ditas ultramarinas.

O apoio dado a um só movimento em Angola pelas altas esferas dominantes pós 25 de Abril, fez com que os nossos quartéis começassem a ser entregues a esse movimento.

Uma delegação do MPLA é recebida no nosso quartel. Nós, os furriéis, aguardávamos serenamente na nossa messe, o resultado das conversações que estavam a decorrer dentro do gabinete do nosso capitão.

Alguns elementos do MPLA dirigiram-se para a nossa messe. Queriam beber algo fresco.

À primeira reacção de cautela da nossa parte, logo o ambiente se tornou amigável e então olho para um dos que ali estava. Ele sentindo o meu olhar, olhou-me também fixamente e houve da nossa parte algo indescritível, demos um grande abraço para surpresa de todos, os “inimigos” estavam abraçados!

E ficaram a saber toda a história, tínhamos trabalhado na mesma empresa em Luanda, exactamente nas oficinas da União Comercial de Automóveis no Bairro da Boavista.

Soube, contado por ele, que a Pide/DGS andava à sua procura para o prender. Assim optou por fugir e foi para as FAPLA.

Olhei para este amigo e agradeci aos deuses o facto de nunca o ter encontrado no campo de batalha frente-a-frente. Um dos dois teria morrido nessa altura.

Na hora da despedida ele ofereceu-me o seu chapéu, hoje, 34 anos passados, ainda o tenho guardado.

Eu, com o chapéu, no quartel em Tando-Zinze


Obrigado amigo, estejas onde estiveres!