Vivo intensamente as coisas e quando elas são de me encher a alma fico aguardando ansiosamente que tal se venha a repetir. Tal não veio a acontecer, foi a desilusão completa. Tirei com esta prova uma lição, não “nasci” para trailiano, ultra seja do que for, ou "raiders" de coisa alguma. Nasci para ser um…
Sonhador.
Sexta-Feira(escrevi isto dia 25/02 no facebook do “Mundo da Corrida”, dedicado à prova “Trail de Conimbriga Terras de Sicó”)
Margarida (responsável da Organização)
Eu bem te perguntei se o nº que me calhou (13) não seria de mau agoiro. Estou na contingência de não ir. Apanhei uma “gripalhada” na Prova do Atlântico, que com tosse e febre, sem ver melhoras, vai deitar por terra um sonho que transporto há um ano, voltar de novo às Terras de Sicó. Pelas paisagens, pelo nosso povo do Portugal profundo, pelo bem receber do “Mundo da Corrida”.
Hoje farei o teste definitivo. Ontem corri 15’ e tive que suspender o treino devido a ataques de tosse. Se não for (o mais provável), que todos os meus companheiros tenham uma belíssima prova, num belo recanto do nosso país e na vossa boa companhia.Não fiz o treino. Não tinha condições físicas para o fazer. A tosse continuava e a febre idem.
Sábado de manhã, telefono ao Joaquim Adelino a dizer-lhe que não ia. Mal conseguia falar e a prova era já no dia seguinte.
Compro uns comprimidos efervescentes recomendados pelo médico e tomo um. À tarde ou por efeito do comprimido, ou por efeitos psicológicos, sinto-me melhor e resolvo ir. Durante um ano alimentei o sonho de voltar às “Terras de Sicó”. Foi a minha estreia nos trilhos e foi a melhor prova que alguma vez tinha corrido num trinómio perfeito: natureza, gente e locais. Corri outros depois que também gostei, mas esta prova foi, para mim, aquela que mais me encheu a alma. As Buracas de Casmilo, as aldeias, o povo do Portugal profundo, os cabrestos a barrarem-me o caminho, aquela anciã de negro, sentada na ombreira da porta, saudando-me à passagem, o homem martelando o novo telhado em casas de pedra da região. O acompanhar do Rio dos Mouros durante um bom bocado do seu percurso. Aquele local que, sentado, nos aguardava aos 5 km quando passávamos nos seus domínios. A saudação da gente do nosso povo no Largo da Igreja onde estava um dos abastecimentos.
Serra de Janeanes. Largo da Igreja (11 km). Prova 2010. Foto: Carlos FonsecaTudo isto se tinha passado no ano passado, tudo isto pensei que voltaria a ver este ano. A cascata junto ao Rio dos Mouros sabia que não iria ver pois já não chovia há quase uma semana, ao contrário de 2010 que só não choveu no dia da prova. Mas ansiava por ver tudo o resto. Passar nos mesmos locais, sentir o pulsar e a força da natureza, mas também ver o que tinha ficado memorizado e o que tinha escrito:
Os olhos são a melhor máquina fotográfica que temos. Eles retêm tudo. O subir a serra, aquele rio dos Mouros que deslizava junto a nós, cascatas, caindo como cabelos de deusas, campos de um verde lindo na Aldeia do Poço. Na Serra de Janeanes, os trilhos agrestes, rochas escorregadias, lamaçal, mas uma visão linda sobre todo o vale das Terras de Sicó, a simpatia das suas gentes, deste Portugal profundo que o citadino não conhece. A Aldeia de Casmilo e as suas Buracas que nos fazem pensar no quanto é poderosa a natureza por tal feito...Aldeia de Casmilo. Prova 2010. Foto: Carlos FonsecaEscrevi isto sobre a prova... o ano passado.
27/02/2011 - II Trail de Conimbriga - Terras de SicóA caminho da Partida. Foto: José Carlos MeloDado o tiro de partida, já não no mesmo local, vou correndo devagar procurando ver o Joaquim que tinha ido com um estreante neste tipo de prova, Paulo Portugal, a fim de retirar o corta-vento que tinha vestido. Vejo o vídeo da partida e reparo que estou sempre a olhar para trás, afinal o Joaquim já estava muito à minha frente. A intenção era ir com ele do princípio ao fim. Ele porque deveria estar desgastado com tantas provas em cima, eu porque estava desgastado pelas semanas que estive doente. Iríamos ajudar mutuamente caso fosse necessário.
Fase inicial com o casal Artur e Estela Gonçalves. Foto: espiralphotoColo-me a ele e ao Paulo e assim vamos os três. O primeiro abastecimento junto ao Rio dos Mouros. A Isabel e a filhota Vitória ali estão feitas aguadeiras. Uma foto tirada com uma participante desconhecida e lá continuámos. Reparo que virámos muito rapidamente para locais que não faziam parte da minha memória. O percurso tinha sido alterado. Só aí é que dei conta que afinal o sonho tinha acabado. Pouco depois comecei a tossir. O Joaquim e o Paulo seguiram caminho e fiquei sozinho. Subi e desci serras. Vi lá do alto as terras de Sicó. Mas também vi e corri por muitas pedras, pedregulhos, trilhos abertos, escadas talhadas no calcário pela mão do homem. Perto dos 15 km, ia com o Nuno Fernandes, vi ao longe o José Carlos Melo e aguardei por ele. Já acompanhado fomos os três quase até ao fim.
Subimos por uma escadaria talhada na serra, até ao ponto mais alto da prova, o Santuário de Nossa Senhora do Círculo (como é possível um Santuário feito num local quase inacessível, grande é a Fé para quem lá vai).
Fim da escadaria de acesso ao Santuário N. Senhora do Círculo. Foto: espiralphoto Santuário. Foto: Carlos FonsecaPouco depois do abastecimento dos 20 km fomos alertados para trilhos com pedra solta (uma constante). Ouvimos a sirene dos bombeiros, logo de seguida saíram com uma maca e ali foram eles pelo trilho. Um dos nossos tinha tido uma entorse numa perna e teria que ser retirado de maca. Bem teriam que se esforçar tal era a distância onde esse companheiro estava e o local onde ficou a ambulância.
Aos 25 km (?) mais um abastecimento, com queijo, laranja (que boas eram) e ali bebi uma pinguinha de um bom vinho branco. Afinal já faltava pouco e embora a tosse não me largasse já sabia que chegaria ao fim.
Eu, Melo e Nuno. Foto: José Carlos MeloOs meus companheiros de corrida ali estavam e pensava acabar com eles a prova. Afinal tínhamos passado tanto juntos e seria bom acabar a prova juntos. Mas tal não aconteceu. Cada um por si parece ser o lema e a pouco menos de um km, fiquei para trás. Acabei só, afinal como tinha começado.
Convívio final. Almoço. Foto: Vitória AlmeidaNotas finais:
Os meus agradecimentos:
Aos bombeiros de Condeixa. Já na fila para o almoço senti-me mal e logo ali me foi prestada a assistência devida (que diferença de tratamento dos da Geira Romana que me “abandonaram” como um bicho).
Aos Amigos António e Isabel Almeida. Pela preocupação do meu estado de saúde tendo interrompida a refeição para tal efeito, estava eu estendido a receber a assistência dos bombeiros.
Ao “Mundo da Corrida” e a todos os que colaboraram nesta prova (um abraço especial para o Luís Miguel). Vocês não têm nada a ver com este meu tema. Eu sou assim, como o disse, não nasci para andar em serras só para subir e descer. Gosto de sentar no meu penedo e ver as maravilhas que a natureza nos dá. A organização foi impecável e está de Parabéns, o trajecto é super para quem gosta e não tira os olhos do chão.
A última palavra para um Campeão. Não vou dizer o que ele me disse mas se eu já tinha uma grande admiração maior ela ficou. Fica aqui o registo e tu meu grande Amigo sabes bem que se a admiração é recíproca é salutar saber que, afinal, há mais sonhadores quanto eu.… E a maldita tosse continua.
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