23.3.11

A "Minha" Foto



Durante os primeiros tempos de Frank Sinatra confesso que não gostava muito de o ouvir cantar. Os anos foram passando, Frank foi envelhecendo, a sua voz tornou-se mais poderosa e dei-me um dia a comprar um CD dele. Tinha aprendido a gostar de Sinatra.

Quando comecei a correr, pesava, para o meu 1,73 metros, uns míseros 62/63 kg. Um dia vi-me a ver as minhas fotos desse tempo. Era um “esqueleto” ambulante, foi o meu melhor período no atletismo. O meu rosto estava sempre tenso, como se todos os dias alguém me devesse e não me pagasse. Era o preço dos treinos constantes e provas para os primeiros lugares.

Os anos, como sucedeu a Frank, foram passando, mas continuava a ser quem era, nada mudara exceto uns quilinhos a mais mas poucos, até que um dia parei. Foram dois anos e meio parado devido a pubalgias que, segundo o médico, aconteciam muito aos corredores de alta competição, não tivesse sido ele médico do Benfica durante muitos anos (… de alta competição? Obrigado Doutor! ). E então engordei. Fui até aos 83 kg. De peso-pluma passei a peso-pesado. E como diria o poeta Mário de Sá-Carneiro:

Eu não sou eu nem sou o outro,
Sou qualquer coisa de intermédio:
Pilar da ponte de tédio
Que vai de mim para o Outro.


Não me reconhecia, foi um pesadelo quando de novo voltei a correr. Mas mês a mês os kg foram ficando pelo caminho. De 83 kg passei para os atuais 72/73 kg. Aprendi a sorrir, o que dantes não fazia. Faço de cada prova um prazer e é esse rosto que agora aprendi a gostar. Estou mais velho, mas estou de bem comigo mesmo!

De todas as fotos que me tiraram até agora, há uma que considero a “minha” melhor foto sem desprimor para todos os fotógrafos que tiraram também boas fotos.

Reparem nesta sequência. Foi na Ultra Melides/Tróia 2010 (43 km de areia). Levava umas sete horas de corrida (como alguém me disse: «A andar também se corre»).


Estou completamente absorto nos meus pensamentos. Os ténis na mão, olho o mar, olho para o lado… E, de repente...

Fotos: Espiralphoto

... Esta foto, assim como a do chapéu, tem uma história.

Quando olho para o lado vejo, sentado numa cadeira de praia, debaixo de um guarda-sol, com uma geleira ao lado, o fotógrafo, Eduardo Santos, um dos responsável pelo O Mundo da Corrida.

Aí está a razão do meu apontar, com um sorriso que considero o sorriso mais natural que até hoje tive, o de uma surpresa tão grande ao ver ali o Eduardo que esta foto, para mim, tem o significado que tem. É a minha melhor foto e, dificilmente, deixará de o ser.

(para o Eduardo as minhas desculpas por utilizar as fotos protegidas por Copyright, mas penso que este texto não ficaria bem sem esta sequência).

A música é um agradecimento ao Frank. Muitas vezes somos estranhos de nós mesmos. Saber envelhecer faz parte da vida, mas saber envelhecer não é para qualquer um.

15.3.11

Verde é a Lezíria.



Como aconteceu o ano passado, o CCD de Loures (cada vez mais reduzido) esteve presente nesta prova. Chegamos relativamente cedo e chuviscava dando o mote para uma prova que se quer regadinha qb, não estivéssemos ali nas Lezírias, onde o castanho se confina a estreitos caminhos num verde que se estende pelas campinas.

Foi um dia de agradáveis surpresas. O reencontrar de novo o Pedro Ferreira, a Ana Paula Pinto que, após Alqueva, nunca mais tinha corrido devido a lesão e o Daniel pelo qual soube que a Susana Adelino e o pimpolho de ambos estavam bem. Bem-vindos companheiros.

Uma palavra aqui para o Luís Mota pela bela prova que fez, no dia anterior tinha feito oitenta e tais quilómetros na serra com o Jorge Serrazina e amigos, para a Susan, Mariana Mota, Luís Parro e Fernanda, Carlos Coelho e tantos outros companheiros de corrida. É sempre bom revê-los!

Com o Carlos Coelho na partida. Foto: Fábio Dias

Em conversa com o Fábio, Hamilton e Melo e vem ao nosso encontro a Henriqueta Solipa e o Carlos Renato, que foram meus parceiros durante uns km na Meia de S. João das Lampas. Como não fixei bem os rostos deles perguntei ao Fábio se era a Henriqueta e confirmado foi um desfolhar de conversas não só de corridas como da grande adesão à manifestação da “geração à rasca” que, cada vez mais, se deve chamar de “gerações à rasca” pois para quem governa vai tudo a eito, excepto para eles e os seus "boys". Falemos de corrida.

Com Fábio, Henriqueta e Carlos. Foto: Fábio Dias

Dada a partida perdi o contacto com o casal. Vou nas calmas pois no dia anterior tinha feito um treino de 1h20’. Encontro a Deolinda (não a que canta), “velha” companheira de muitos anos de corrida, de muitas “Corridas das Colectividades de Loures”. Dantes via-a à partida e à chegada, agora vejo-a a partir e ela vê-me a chegar! Durante km fomos em amena cavaqueira, lembrando provas que já deixaram de existir, a subida ao moinho na Apelação que nos dava água pela barba para lá chegar (agora nos trilhos o que mais vejo são moinhos).

O percurso foi alterado, uns dizem para melhor outros para pior, são opiniões, eu tenho a minha. Gostava mais do percurso anterior. O terreno era mais diversificado, corríamos ali junto ao Tejo e agora parece uma “passadeira”. Se calhar o terreno anterior estava intransitável e eles tiveram que alterar o percurso (se foi isso, já o mesmo aconteceu há muitos anos nos 20 km de Almeirim devido a cheias na lezíria).

Mas o importante era ali estar e de km em km (não de PEC em PEC) eu e a Deolinda António lá os fomos galgando. Ao entrar de novo na ponte uma foto tirada pelo Sr. António Melro Pereira (AMMA), pai da Ana Pereira que também esteve presente mas não a vi.

A Deolinda de "t-shirt" laranja. Foto: AMMA

Aqui a Deolinda acelerou o passo para apanhar uma corredora que ia mais à frente, mas sempre olhando e tentando que eu a acompanhasse, comecei a ficar para trás e disse-lhe para seguir, o que o fez relutante (até dá gosto ter companheiros (as) destes (as) que se preocupam com os outros). Fui sempre na sua peugada e, de repente, vejo à minha frente ainda a uma boa distância, o casal Henriqueta e Carlos.

Henriqueta e Carlos, eu um pouco atrás. Foto: AMMA

Pensei: «Vou acabar esta prova com eles!». Pouco a pouco fui-me aproximando e, a cerca de 300 metros do fim, num “sprint” esforçado fico ao lado deles e assim acabamos os três a prova com o mesmo tempo, 1h18’24’’. Foi lindo!

O esforço final. Foto: AMMA

Lindo foi também a Deolinda estar à minha espera para aquele abraço e agradecendo a companhia, eu é que tenho que lhe agradecer, pois devido a ela fiz uma prova que não contava devido ao esforço feito no treino referido.

Os meus companheiros do CCD de Loures; o Paulo Póvoa ficou em 1º no escalão dele (acabou com o Luís Mota, lado a lado) e o Eurico Charneca em 3º. Uma outra palavra para um grande Amigo, o Vítor Moreira. Já não temos a “pedalada” de outrora, mas que continuemos por muitos e muitos anos a palmilhar terrenos sem fim. É sempre um prazer enorme tê-lo ali a meu lado como no passado onde ficávamos sempre perto um do outro nas classificações. Grande Abraço para ti Grande Amigo!

8.3.11

Carnaval em Cascais



É Carnaval ninguém leva a mal.


Pela 13ª vez corri os 20 km de Cascais. Sempre pela altura do Carnaval esta prova, ano após ano, vem aumentando o nº de corredores e quase que tem que se põr uma lupa para se conseguir ver o nosso nome na t-shirt. Dantes não era assim, mas quando uma prova é uma referência pelo bem receber, é garantia de sucesso e aumenta a quantidade de participantes.

Depois de Sicó não treinei um único dia. Tinha que parar para que a tosse desaparecesse de uma vez por todas. Parecia que o tempo não me queria ajudar, já que o dia amanheceu chuvoso e fiquei na dúvida se valia a pena ir até Cascais pois mais uma recaída não estava nos meus planos. Os trilhos de Almourol estão ao dobrar da esquina e não convinha de novo adoecer.

Aquecimento. Foto: AMMA

Mas como desistir não faz parte do meu cardápio, lá vou para mais uma corrida. Parti juntamente com os amigos João Melo e José Lopes.

Aqui com o João Melo. Foto: AMMA

Rapidamente se afastaram, iria fazer uma prova sem forçar muito e não me acontecer como no ano passado que sofri bastante.

A caminho do Guincho conversei com a Dina Mota sobre uma prova de 101 km (Ronda) e a influência da falta de sal num corredor (penso que foi isso que me sucedeu em Sicó pois os níveis de açucar estavam dentro dos parâmetros. Devido à sudação contínua devido à febre, ao esforço despendido na prova e a não reposição dos níveis de sal no corpo deve ter provocado quase o meu desfalecimento. Há até o conselho que, depois de uma prova longa, se deve comer com um pouco mais de sal para repôr os níveis de salinidade no corpo).

Retorno. Foto: Luís Parro



A Dina estava bem e foi-se. Fui vendo os companheiros de tantas corridas, olhei para o mar, reparei na grande fila humana que deambulava como serpente a caminho de Cascais. Fui fazendo a minha prova, ultrapassei, fui ultrapassado, ainda caminhei um pouco faltando aí 500 metros para acabar. Cortei a meta, ali em Cascais, onde a baía tem um outro olhar, o do Rei D. Carlos, amante do mar e das artes.



Rei D. Carlos. Foto: Mário Lima


Fiz mais 3' (1h47'50'') que o ano passado, mas acabei bem melhor. Correr não é para quem fica pelo caminho, é para quem chega ao fim.

Bom Carnaval.

1.3.11

O Fim de um Sonho



Vivo intensamente as coisas e quando elas são de me encher a alma fico aguardando ansiosamente que tal se venha a repetir. Tal não veio a acontecer, foi a desilusão completa. Tirei com esta prova uma lição, não “nasci” para trailiano, ultra seja do que for, ou "raiders" de coisa alguma. Nasci para ser um… Sonhador.



Sexta-Feira

(escrevi isto dia 25/02 no facebook do “Mundo da Corrida”, dedicado à prova “Trail de Conimbriga Terras de Sicó”)

Margarida (responsável da Organização)

Eu bem te perguntei se o nº que me calhou (13) não seria de mau agoiro. Estou na contingência de não ir. Apanhei uma “gripalhada” na Prova do Atlântico, que com tosse e febre, sem ver melhoras, vai deitar por terra um sonho que transporto há um ano, voltar de novo às Terras de Sicó. Pelas paisagens, pelo nosso povo do Portugal profundo, pelo bem receber do “Mundo da Corrida”.

Hoje farei o teste definitivo. Ontem corri 15’ e tive que suspender o treino devido a ataques de tosse. Se não for (o mais provável), que todos os meus companheiros tenham uma belíssima prova, num belo recanto do nosso país e na vossa boa companhia.


Não fiz o treino. Não tinha condições físicas para o fazer. A tosse continuava e a febre idem.

Sábado de manhã, telefono ao Joaquim Adelino a dizer-lhe que não ia. Mal conseguia falar e a prova era já no dia seguinte.

Compro uns comprimidos efervescentes recomendados pelo médico e tomo um. À tarde ou por efeito do comprimido, ou por efeitos psicológicos, sinto-me melhor e resolvo ir. Durante um ano alimentei o sonho de voltar às “Terras de Sicó”. Foi a minha estreia nos trilhos e foi a melhor prova que alguma vez tinha corrido num trinómio perfeito: natureza, gente e locais. Corri outros depois que também gostei, mas esta prova foi, para mim, aquela que mais me encheu a alma. As Buracas de Casmilo, as aldeias, o povo do Portugal profundo, os cabrestos a barrarem-me o caminho, aquela anciã de negro, sentada na ombreira da porta, saudando-me à passagem, o homem martelando o novo telhado em casas de pedra da região. O acompanhar do Rio dos Mouros durante um bom bocado do seu percurso. Aquele local que, sentado, nos aguardava aos 5 km quando passávamos nos seus domínios. A saudação da gente do nosso povo no Largo da Igreja onde estava um dos abastecimentos.

Serra de Janeanes. Largo da Igreja (11 km). Prova 2010. Foto: Carlos Fonseca

Tudo isto se tinha passado no ano passado, tudo isto pensei que voltaria a ver este ano. A cascata junto ao Rio dos Mouros sabia que não iria ver pois já não chovia há quase uma semana, ao contrário de 2010 que só não choveu no dia da prova. Mas ansiava por ver tudo o resto. Passar nos mesmos locais, sentir o pulsar e a força da natureza, mas também ver o que tinha ficado memorizado e o que tinha escrito:

Os olhos são a melhor máquina fotográfica que temos. Eles retêm tudo. O subir a serra, aquele rio dos Mouros que deslizava junto a nós, cascatas, caindo como cabelos de deusas, campos de um verde lindo na Aldeia do Poço. Na Serra de Janeanes, os trilhos agrestes, rochas escorregadias, lamaçal, mas uma visão linda sobre todo o vale das Terras de Sicó, a simpatia das suas gentes, deste Portugal profundo que o citadino não conhece. A Aldeia de Casmilo e as suas Buracas que nos fazem pensar no quanto é poderosa a natureza por tal feito...

Aldeia de Casmilo. Prova 2010. Foto: Carlos Fonseca

Escrevi isto sobre a prova... o ano passado.

27/02/2011 - II Trail de Conimbriga - Terras de Sicó

A caminho da Partida. Foto: José Carlos Melo

Dado o tiro de partida, já não no mesmo local, vou correndo devagar procurando ver o Joaquim que tinha ido com um estreante neste tipo de prova, Paulo Portugal, a fim de retirar o corta-vento que tinha vestido. Vejo o vídeo da partida e reparo que estou sempre a olhar para trás, afinal o Joaquim já estava muito à minha frente. A intenção era ir com ele do princípio ao fim. Ele porque deveria estar desgastado com tantas provas em cima, eu porque estava desgastado pelas semanas que estive doente. Iríamos ajudar mutuamente caso fosse necessário.

Fase inicial com o casal Artur e Estela Gonçalves. Foto: espiralphoto

Colo-me a ele e ao Paulo e assim vamos os três. O primeiro abastecimento junto ao Rio dos Mouros. A Isabel e a filhota Vitória ali estão feitas aguadeiras. Uma foto tirada com uma participante desconhecida e lá continuámos. Reparo que virámos muito rapidamente para locais que não faziam parte da minha memória. O percurso tinha sido alterado. Só aí é que dei conta que afinal o sonho tinha acabado. Pouco depois comecei a tossir. O Joaquim e o Paulo seguiram caminho e fiquei sozinho. Subi e desci serras. Vi lá do alto as terras de Sicó. Mas também vi e corri por muitas pedras, pedregulhos, trilhos abertos, escadas talhadas no calcário pela mão do homem. Perto dos 15 km, ia com o Nuno Fernandes, vi ao longe o José Carlos Melo e aguardei por ele. Já acompanhado fomos os três quase até ao fim.

Subimos por uma escadaria talhada na serra, até ao ponto mais alto da prova, o Santuário de Nossa Senhora do Círculo (como é possível um Santuário feito num local quase inacessível, grande é a Fé para quem lá vai).

Fim da escadaria de acesso ao Santuário N. Senhora do Círculo. Foto: espiralphoto


Santuário. Foto: Carlos Fonseca

Pouco depois do abastecimento dos 20 km fomos alertados para trilhos com pedra solta (uma constante). Ouvimos a sirene dos bombeiros, logo de seguida saíram com uma maca e ali foram eles pelo trilho. Um dos nossos tinha tido uma entorse numa perna e teria que ser retirado de maca. Bem teriam que se esforçar tal era a distância onde esse companheiro estava e o local onde ficou a ambulância.

Aos 25 km (?) mais um abastecimento, com queijo, laranja (que boas eram) e ali bebi uma pinguinha de um bom vinho branco. Afinal já faltava pouco e embora a tosse não me largasse já sabia que chegaria ao fim.

Eu, Melo e Nuno. Foto: José Carlos Melo

Os meus companheiros de corrida ali estavam e pensava acabar com eles a prova. Afinal tínhamos passado tanto juntos e seria bom acabar a prova juntos. Mas tal não aconteceu. Cada um por si parece ser o lema e a pouco menos de um km, fiquei para trás. Acabei só, afinal como tinha começado.

Convívio final. Almoço. Foto: Vitória Almeida

Notas finais:

Os meus agradecimentos:

Aos bombeiros de Condeixa. Já na fila para o almoço senti-me mal e logo ali me foi prestada a assistência devida (que diferença de tratamento dos da Geira Romana que me “abandonaram” como um bicho).

Aos Amigos António e Isabel Almeida. Pela preocupação do meu estado de saúde tendo interrompida a refeição para tal efeito, estava eu estendido a receber a assistência dos bombeiros.

Ao “Mundo da Corrida” e a todos os que colaboraram nesta prova (um abraço especial para o Luís Miguel). Vocês não têm nada a ver com este meu tema. Eu sou assim, como o disse, não nasci para andar em serras só para subir e descer. Gosto de sentar no meu penedo e ver as maravilhas que a natureza nos dá. A organização foi impecável e está de Parabéns, o trajecto é super para quem gosta e não tira os olhos do chão.


A última palavra para um Campeão. Não vou dizer o que ele me disse mas se eu já tinha uma grande admiração maior ela ficou. Fica aqui o registo e tu meu grande Amigo sabes bem que se a admiração é recíproca é salutar saber que, afinal, há mais sonhadores quanto eu.


… E a maldita tosse continua.

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    Aquecimento

    Partida do Trail

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    Ruínas de Conímbriga

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    As fitas trocadas

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