No início tudo era sorrisos como sempre:
Eram 9h da manhã quando foi dada a partida. O sol já aquecia e bem. Em todos os postos de abastecimento comi melancia e bebi muita água.
Durante os primeiros km a sombra predominava, o sobe e desce ia-me desgastando, mas como nunca fui bom a subir...
Abastecimento dos 15 km. Ali iria terminar a sombra. A seguir seria a subida à Serra D'Aire. Ia na companhia de vários companheiros entre eles o Joaquim Adelino.
Depois de um pequeno engano no trilho e regressados ao caminho certo comecei a verificar que algo não estava bem. Comecei a ficar para trás e disse ao Joaquim que continuasse.
Comecei a sentir a cabeça "andar à roda". Tinha água no camelback e bebia, mas o sol impiedoso não me dava tréguas. Tinha que chegar ao abastecimento seguinte pois de nada me valia vir para o abastecimento anterior já que a distância era a mesma. Olhava para o GPS e via que andava (já há muito que não corria) a 20' o km. Nunca tal me tinha acontecido.
Estava desesperado. Abrigava-me na sombra das pequenas árvores que a serra tinha (com os incêndios havido em anos anteriores, toda a serra ficou "despida" de árvores). Via muitas borboletas juntas num só rebento tal a razia que tinha havido na serra.
Fortes dores de estômago comecei a ter. A vontade de vomitar era muita. A minha água parecia que tinha saído do fogão de tão quente que estava. Deveriam estar 43 a 44º ali. Por mim ou passavam ou ficavam nas pequenas sombras, outros "zombies" como eu.
Passou a Paula Madeira e disse-lhe que iria ficar no próximo abastecimento. Ela disse que faria o mesmo e seguiu. Já não conseguia levantar os pés do chão e aquilo sempre a subir. As pequenas pedras do trilho eram "pedregulhos" que me custavam a ultrapassar.
Fui apanhado pelo companheiro João Martins e foi ele a salvação. Levou-me literalmente ao "colo" até ao abastecimento do km22. Parava quando eu o fazia, sentava-se comigo quando já não tinha forças e assim fui-me aproximando do local onde ficaria.
No abastecimento do km22, muitos dos que ali ficaram eu era o que estava em pior condição. Deitei-me à sombra da carrinha que lá estava e aí se alguém tivesse que se "apagar" apagava-se. Não havia sombra a não ser a projetada pela carrinha. Perto de mim o companheiro António Nascimento também sentia-se mal e, tal como eu, o vomitar era uma constante. Todos os que estavam em piores condições procuravam essa sombra como se dela dependesse a vida e se lá não fiquei (ou ficámos) posso agradecer a três pessoas que foram inexcedíveis; Ana Cristina Batista, Paula Madeira e ao José Velez. Para eles o meu muito obrigado. Grato por tudo o que tentaram e conseguiram até que a carrinha carregasse, até que a carrinha começasse a levar-nos e até que a carrinha chegasse ao Vale da Serra e aí nesse trajeto o José Velez foi enorme pois nunca me deixou um momento, preocupadíssimo pois várias vezes teve a carrinha que parar pois aquele caminho de cabras fazia com que o meu estômago se colasse à boca e vomitava o que tinha e o que não tinha.
Chegado ao Vale da Serra, aguardava-me o companheiro Vitor Veloso que ficou preocupadíssimo perante o meu estado. Fui encaminhado para umas escadas onde me sentei e os bombeiros tentaram a todo o custo fazer com que reanimasse. Tentaram dar-me de comer mas eu nem ver quanto mais comer. Lembro-me depois de um rosto, a Ana Ceríaco e ela ter dito que era enfermeira penso que foi quando me tirou sangue de um dos dedos para ver a glicémia que se encontrava normal. Mas eu já não "via" ninguém.
Os bombeiros queriam-me levar para o Hospital. A ambulância ao sol e estava renitente em ir pois lembrava-me do episódio terrível que me tinha acontecido na Geira Romana em 2010, mas os bombeiros tomaram a atitude certa, levaram-me para o Hospital de Torres Novas.
Dei entrada nas Urgências e os exames deram uma desidratação extrema que me tinha afetado os rins. Levei dois litros de soro e fui tratado com muito profissionalismo e carinho por todos (dediquei a assinei o meu peitoral que deixei no Hospital como reconhecimento pela forma como fui tratado).
Agradecimentos:
O meu muito Obrigado aos bombeiros por terem tomado a decisão correta. Ao Vitor Veloso companheiro de muitas corridas pela enorme preocupação que sempre manifestou pela minha saúde e, no Hospital de Torres Novas, recebi a presença dele, da Paula Madeira, da Analice, Ana Ceríaco, Carlos Pinto-Coelho e Isabel Paiva (desculpem se mais houve mas naquele momento o discernimento não era muito).
À Margarida Henriques, ao Eduardo Santos e de novo ao João Martins que ali permaneceram no Hospital a meu lado em "prejuízo" da sua vinda para os seus recantos, pois deviam estar "estourados" e bem necessitados de descansar também.
Obrigado meus amigos. É esta forma de ser e estar que me faz acreditar que ainda há gente boa, há amigos que nunca devemos perder, há situações que acontecem que embora não a desejemos não acontecem por acaso.
Para todos o meu bem-haja e sabem que podem contar sempre comigo, para o que der e vier.
Agora terei que fazer novos exames para ver se os rins estão a funcionar em pleno e não ficaram mazelas. Mas acredito que não! Um “Comando” não se deixa afetar por estas pequenas coisas.
Obrigado a todos!
(coloquei aqui esta minha foto no Hospital de Torres Novas, não só como agradecimento pela forma excecional como fui tratado tanto pelo pessoal auxiliar, enfermeiros(as) e médicos, mas também para sabermos auscultar e aceitar os sinais do corpo. O meu corpo dizia-me que dali do km22 não deveria sair. Se tivesse continuado decerto que, a esta hora, a história poderia ter sido outra).
8 comentários:
As rápidas melhoras! Acho que fez muito bem em escutar o seu corpo! Mais vale ter perdido uma prova do que a vida. Muitas outras provas surgirão. Um abraço
Grande amigo Mário,
Que grande susto pregas-te, agora tens de seguir os procedimentos de recuperação e voltar a vida normal!
Eu em Vale da Serra e tu e outros a precisarem de auxílio, tão perto e tão longe!
O sol queimava, não foi um bom dia para correr, estava mesmo preocupado convosco, só queria ter noticias vossas, ligo á Paula diz-me que desistia, e informa do teu estado, horrível, partir dai foi um desassossego, um pressionar constantemente ao Godinho para saber quando vos tiravam dai, da Serra! Quando cegas-te ao pé de mim vi o teu estado, estavas mesmo com muito mau aspeto, o meu louvar aos bombeiros em te levar para hospital mesmo tu não querendo, tinha que ser. Já no Hospital foi um alivio ver-te sempre com teu bom humor, e o susto já tinha passado!!
Alias nem bebeste Coca-Cola hehehe
Força amigo melhores dias viram!!
Grande abraço
Que pesadelo amigo Mário, nem por sombras imaginei quando parti que estavas tão mal, dizias que tinhas estado de férias e por isso tinhas de ir mais lento, que mentira piedosa, nem sabes o que lamento ter ido embora e saber depois que estavas num estado lastimável. Na semana anterior na Freita tinha enfrentado coisa semelhante em relação ao calor que me levou a desistir, agora aguentei bem aquele calor mas com muito sacrifício. Espero que já esteja tudo bem contigo e que brevemente nos voltemos a encontrar. Abraço
É sempre reconfortante contarmos com a presença dos bombeiros, que pelo gosto de servir o próximo sacrificam os seus dias e noites de lazer.
A.A.
Querido Tio Mário :
" Os leões nunca se sentem amedrontados, e os Comandos jamais se deixam abater ... !
É, e há-de ser sempre, a sua companhia, um dos maiores prazeres.
Um abraço de saudade, do seu sobrinho leão (SCP), que tanto o admira.
Carlos Miguel Carvalho Marques
Sobrinho Carlos
Os leões nunca se amedrontam. Pode por vezes parecer isso, mas é só impressão. Uma batalha perdida não significa perder a guerra e um guerreiro nunca se dá por vencido.
Penso continuar a ser sempre esse guerreiro até que as pernas me doam.
... E obrigado sobrinho pelas tuas palavras. Sabes também que vos tenho no coração.
Não o conheço pessoalmente mas o que leio de si e acompanhei na compaixão pela doce Analice... É enorme! É comprovo agora também que é um grande guerreiro! Grata pelo testemunho e sábias palavras! ������
Saudações Desportivas
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