27.5.10

Vincit qui tapitut

Quem não sabe sofrer, não sabe vencer.


... Extenuado, dobro-me, e aguardo que a ambulância pare. Dela saem estas duas enfermeiras (???).


Depois de lhes ter contado tudo que tinha passado e das dores que sentia na coxa mandam-me sentar num cadeirão (com uma marquesa ao lado sem ninguém) e dão-me gelo para colocar na perna. A ambulância segue em direcção, não a um hospital, não a um Centro de Saúde mas sim para um posto de abastecimento. Reparem na fotografia em baixo. Estão vários corredores (Otília e Paulo Mota, entre outros). Estão à sombra não estão? A ambulância, neste local, ficou ao sol.


A canícula cá fora era intensa, dentro da ambulância deveriam estar 40º. As enfermeiras (???) saíam constantemente deixando-me lá dentro sozinho. De vez em quando lá vinham perguntar se me sentia melhor (como uma rotura se curasse por milagre do gelo) e queriam a todo custo que eu fosse para dentro de uma carrinha que lá estava. Se fosse necessário amparavam-me até lá chegar. Recusei pois não me sentia em condições e não fazia sentido eu estar, conforme estava, numa ambulância e ir para uma carrinha. Uma das enfermeiras (???) lastimava-se pelo facto de ter um velório e não poder lá estar, que para a próxima não contassem com ela. E saíram de novo as duas.

Comecei a sentir-me mal. A cabeça começou a latejar e uma névoa começou a toldar-me a vista. Coloquei a cabeça entre as pernas e pedi ajuda. Depois tudo se apagou.

Abro os olhos e vejo três rostos a olharem para mim. Não eram anjos, tinham a cara bem terrena. Eram as duas enfermeiras (???) mais um sujeito, que me mandou deitar na marquesa. Olho em volta e vi que tinha vomitado. Quando me deito na marquesa, verifico que as minhas pequenas botijas que tinha presas no cinto estavam espalhadas pelo chão. Para elas terem saído do cinto só podia ter acontecido uma coisa, tinha tido convulsões. Tinha desmaiado, tinha saltado naquela cadeira e não havia lá ninguém.

O sujeito pergunta se estava desidratado às enfermeiras (???) e uma delas (não a do velório) disse que me tinha visto beber água de um dos cantis, era um pouco de água que me restava da nascente. Tirou-me sangue de um dedo e disse que os níveis de açúcar estavam bem… e a ambulância ao sol. Felizmente como tinha a cabeça virada para a entrada sempre corria uma pequena brisa que me aliviava. Então começaram a falar para onde me levar, para o Hospital de Amares dizia uma, não, para Terras de Bouro dizia a outra. De dentro de mim saiu-me uma raiva surda e disse-lhes, «quero ir para junto dos meus companheiros, quero ir para Caldelas». Logo a do velório lançou um «bravo guerreiro» e… mandou-me para dentro da carrinha.

Já estava por tudo, a coxear saí dali e entrei na carrinha. Ao lado, noutra carrinha, vi o amigo Bandarra com outros companheiros. Do lado de lá, à sombra, estava a Dina Mota em pé e o Paulo encostado a uma árvore. Do meu lado, à sombra, vi a Rosa, tinha também desistido (os espanhóis também desistiram).

Através dos comunicadores ia ouvindo que alguém se tinha perdido também na serra e que os bombeiros o procuravam. O rapaz que estava como condutor da carrinha ia começar a andar quando me vieram os vómitos. Olhei para todo o lado e vi um saco plástico. Para não vomitar a carrinha peguei no saco e só depois é que reparei que o saco tinha uma sandes, era a sandes do rapaz, ficou sem ela. O sujeito que me analisou o sangue pediu um saco a uma das enfermeiras (???) e ela trouxe um, disse que era o único.

O rapaz lá partiu e fui vomitando pelo caminho. Os responsáveis de uma ambulância deixaram partir uma pessoa naquelas condições. Soube que tinha sido encontrado o companheiro que se tinha perdido (se calhar era eu), e fomos a caminho de Caldelas. Já não tinha mais para vomitar. Quase me saía o estômago, bílis, tripas e tudo o mais. Chegados a Caldelas, fui despejado da carrinha. Vi a Isabel, mulher do António Almeida, dirigi-me a ela para me ajudar. Mas a Isabel estava preocupada com o marido e não a quis incomodar, dei meia-volta e fui para o local onde estava hospedado. Aí soube que o Pára tinha ido para a estrada para ajudar quem viesse na corrida. Como tinha o estômago vazio pedi um café. Fui até ao quarto e atirei-me para cima da cama. Mas a cabeça não parava de andar à roda e de rastos cheguei à casa de banho. Sentei-me ao lado da sanita e vomitei o café. Não sei quanto tempo ali estive. Senti-me melhor, enviei uma mensagem ao Pára a dizer-lhe que estava na Albergaria. Tomei um banho, vesti-me, fui pagar o café e perguntei se não havia umas bolachinhas para aconchegar o estômago. Havia, comi, fui buscar água à fonte das Termas e, coxeando, fui esperar os companheiros que estavam a chegar.

A Geira não me venceu, eu irei vencer a Geira.




Nota final: Tudo aquilo que aqui está descrito é verdade. Não é inventado e assumo todas as responsabilidades pelo meu escrito. Será enviado os links destes meus temas ao Moutinho. Se assim o desejar, poderei ir ao local onde me perdi e dizer quem são as enfermeiras (???) que me “assistiram”. Tudo isto para que tal não volte a acontecer.



Classificações
~ Outras Fotos ~




Vítor Veloso Adelino - Guimarães
Nuno AlexandreAdelino - Geira

13 comentários:

Carlos Pinto-Coelho disse...

Ah Granda Mário !!!!!
Quem fala assim só merece o maior respeito e as lições daqui tiradas não são poucas.
Tiro-te o chapéu :))
E....pró ano vamo-nos a ela esfarrapados ou não...ai isso vamos.
Um abração
Carlos Coelho

amantes da corrida disse...

Amigo Mário,

Ainda foi pior do que imaginava, felizmente , já está tudo bem e spero que se encontre reabilitado e de perfeita saúde. E tenho uma certeza absoluta, a Geira que se cuide, porque o boina vermelha no próximo ano irá à Geira para mostrar a persistência ,destreza e superação.

Um abraço e fique bem!

BritoRunner disse...

Olá Mário, não sabe a tristesa que tenho por os mentores dos Pára-Comando não terem terminado esta aventura.
Realmente a minha Geira foi diferente, com muito calor é verdade, mas felizmente tudo correu bem. Espero que no próximo Ultra -desafio tudo corra bém.

saudações Trailianas
JCBrito

António Almeida disse...

Mário
parabéns pelo teu relato, quanto à Geira para o ano há mais.
Só acho é que fizeste mal não pedires a ajuda da Isabel e essa de ires beber café então nem sei o que te diga.
Abraço.

joaquim adelino disse...

Foi sem dúvida mau de mais, só não percebo é como aquelas duas catatuas foram ali parar, pensvam que iam desfrutar da paisagem? passear? Não têm nem responsabilidade, humanidade nem pinga de sangue de amor pelo próximo, e aquelas funções só podem ser ocupadas por pessoas despidas de preconceito e de grande sensibelidade humana e não ir para ali como se tratasse de um frete e com a cabeça em todo o lado menos ali.
Fizeste bem em abalar e procurar os amigos, devias ter-me pedido ajuda pois eras o único que sabias que eu estava disponível e certamente as coisas tinham corrida de forma diferente.
Ficou a lição, triste mas ficou, creio que a instrução e a experiência vivida em África deve ter contribuído e muito para te conseguires manter e orientado até seres "socorrido" (penso que a possível presença de Lobos também te obrigou, apesar do sofrimento, a pôr os pés ao caminho e nunca teres entrado em pânico.
Tal como já referiste o Pára&Comando vai lá voltar para o Ano, desta vez o Daniel salvou a nossa honra e a Susana deu uma ajudinha, devemos-lhe isso.
Recupera bem e Domingo lá te espero no Guincho, se não fôr para correr ao menos temos o Cosido à Portuguesa para deitar abaixo, onde ele é servido de forma única em Portugal, logo ali a 200 metros da chegada.
Abraço.

Susana disse...

Ah grane Mário, possa que isso correu mesmo mal, concordo com o meu pai e com o António Almeida quando dizem que deveria ter pedido ajuda, nós precisamos uns dos outros, sempre será assim! Agora aquele tipo de pessoas que o socorreram(???) não tem o carácter nem a dignidade para as funções que estavam a desempenhar! Essa situação terá de ser revista para não voltar a acontecer.
Com certeza que a próxima Geira correrá bem melhor, pior é que nunca possa!
As fotos estão muito bonitas!
Mário tudo de bom!

.JOSÉ LOPES disse...

Olá Mário

Excelente relato duma prova dura, em que o espírito de entreajuda é uma componente a levar em condideração.

Algumas peripécias que mostram ainda alguma falta
formação/educação das pessoas de vários sectores da nossa sociedade.

Este será um desafio que fica atravessado na garganta, até ao próximo ano, penso que fará parte das "aventuras" do calendário de corridas 2010-2011.

As melhoras da lesão muscular.

As tonturas, o desmaio e os vómitos terá sido da desidratação?

com os cumps
J.lopes

luis mota disse...

Olá Mário!
Lamento imenso que esta jornada tenha terminado desta forma.
Depois da preparação e do desejo de participar este final nada tem a ver com o desejado.
Gostaria que o Mário e o Joaquim tivessem tido uma boa jornada no Minho. Por diferentes razões a Geira terá de ficar para outra altura.
Lamento que não tenha sido assistido convenientemente. Felizmente em muitas das prova que participo essa tem sido a grande evolução das organizações.
Espero que recupere bem e regresse brevemente à corrida.
Luís Mota

Vitor disse...

Amigo Mário,
Que boa descrição da tua aventura em caminhos históricos. Pena que tenha acontecido tudo contigo da forma como descreveu, acredito sim, e quem o leia tire as ilações justas.
Para o ano na Geira, "ate os comemos".
Se não nos encontramos, boas ferias e que regresse pronto para nos acompanhar nas provas e no convívio.
Grande abraço e Bjs da Ruth e carolina

BOAS FERIAS

mariolima52 disse...

Obrigado a todos pelos comentários e pela solidariedade.

Já enviei os links dos meus temas para o Moutinho. Agora ele que faça o que achar melhor para que situações destas não volte a acontecer.

Se uma ambulância ali está é para prestar o máximo apoio de quem dela necessita e não para o despejar numa carrinha sem condições (afinal a ambulância, também não a tinha, basta ver a "qualidade" das enfermeiras que me "socorreram").

Agora é recuperar pois ainda não estou a 100% (não refiro à lesão que essas já eu conheço bem). Felizmente vêm aí as férias.

Até um dia, bons treinos, boas provas e boas férias para quem também vai.

Para todos o meu muito Obrigado!

Anónimo disse...

Olá amigo Mário,

Espero e desejo que o pior já tenha passado… Lamento profundamente aquela sequência de azares (e algumas incompetências) de que foi vítima.

As suas queixas e observações são muito pertinentes, e espero que a organização as tome 100% em conta, pois são de alta importância, não só para a saúde dos atletas, como também para a natureza.

Vale a pena recordar a observação da fita velha colada à árvore – neste caso não sabemos se não foi de outras organizações – Um pormenor, mas revelador do carácter de muitas organizações que por aí andam. E, caramba, se esta organização passou por lá para colocar fitas, não custava nada retirar as velhas…

Um Abraço

Orlando Duarte

Josué Lima disse...

Olá mano,
Antes do mais que tenhas umas boas, refrescantes e descontraídas férias. Férias essas que te ajudarão a tratar da mazela muscular que te traiu a experiência da Ultra Trail Geira. Férias que te poderão ajudar a reflectir sobre os novos percursos que tens estado a descobrir nesta variante de corrida/percursos, agora em trails, raids, areais, geiras, subidas e descidas nas serranias. E que poderão fazer-te concluir que haverá mais vida para além das novas aventuras que tens procurado ter … “vô, vem !“
A sorte protege os audazes, é uma máxima dos Comandos. E foi sorte a que tiveste, apesar de mal tratado pelo percalço tido. Sorte em não teres desmaiado na desconhecida serra e depois … como é que seria!? Será que hoje estarias de férias! Pois, como bem referes … “a distracção pode ser fatal”. Mas terá sido audácia teres prescindido a ajuda dos espanhóis (admitiste depois que foi um erro) e teres ficado lesionado, mal podendo andar, só tu e a serra!!
Foi uma experiência fisicamente dolorosa, uma experiência que aliada a outras que no género já tiveste te poderá ajudar a reflectir se esses esforços ultra merecerão o teu sacrifício. Até que a rotura muscular, para além do esforço que fizeste para te equilibrares quando ao saltares o pé escorregou, poderá ter também acontecido pela carga excessiva que tens “metido” nos músculos nos últimos tempos, atendendo aos vários meses que estiveste “parado” em recuperação de outras mazelas de difícil solução.
Quanto aos episódios das ditas “enfermeiras”, do condutor da ambulância que a deixou ao sol contigo dentro, de fitas de anteriores percursos permanecerem no actual, da “enfermeira” do velório ter dito que queria era estar no velório e que na próxima não contassem com ela (será que terá sempre um velório quando se realiza a Geira?) e outros pormenores que relatas, serão motivo para que a Organização se debruce sobre eles e procure colmatar essas e outras falhas que porventura possam ter existido.
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Bom, tenho lido com bastante “gozo”= prazer as crónicas dos teus percursos, do teus caminhares pela natureza, das tuas novas “descobertas” com o Povo ignorado do Portugal profundo, do companheirismo do grupo onde te encontras inserido e com os demais que nessas andanças se vão revendo, etapa após etapa, convívio após convívio.
É uma nova filosofia de vivências, embora a competição esteja sempre presente. Mas pelo que leio estás com uma nova e admirável vertente descritiva dos pormenores, da imagem fotográfica, de transmitires as tuas aprendizagens através dos relatos que deixas nos temas.
E essa postura enobrece-te, cria uma nova concepção de se estar na competição com o sentido de entreajuda, de companheirismo, de solidariedade desportiva. O círculo de amizades vai saindo fortalecido, vai-se humanizando.
Os meus PARABENS pelo teu blog, pelos temas, pela forma narrativa de como descreves cada evento onde participas.
Boas Férias mas termino como comecei. Será que todo esse esforço ultra valerá a pena! E se em vez de serem ultras forem apenas light . O prazer não será igual e os perigos menores!
Um abração

Maria Sem Frio Nem Casa disse...

Pois é assim amigo Mário, se tudo corre bem, muitos aplausos, pois nada houve que necessitasse de uma acção extra.

O pior é que quando corre mal, ou apenas menos bem, é aí que se vê exactamente as boas(?) organizações.

Quando "há-de tudo correr bem" é um princípio de que se parte para organizar uma prova, mal estão as coisas... parece que foi o caso e que só por sorte a sua, acabou também por "correr bem" ou antes, acabar bem.

Ana Pereira