24.5.10

Geira adiada...



Prólogo

A vida dá-nos muita experiência. Quando pensamos que sabemos tudo eis que a vida nos demonstra que somos ainda uns aprendizes e que estamos sempre a aprender, seja na vida profissional, seja em actividades lúdicas. Nesta prova da Geira aprendi várias lições. Vou começar por elas.

1º - Se se vai participar numa prova que requer de nós muita atenção, pois dela pode depender até a nossa própria vida, não podemos levar nada que nos distraia como por exemplo uma máquina fotográfica, a não ser que se tenha grande experiência ou não se distraia com as paisagens maravilhosas que uma prova deste género nos oferece.

2º - Ir sempre acompanhado por alguém, mesmo que não seja muito experiente, nunca correr sozinho. Caso se perca ou caia tem sempre ali alguém que o pode socorrer.

3º - Nunca perder a calma, mesmo que esteja só num local sem nada nem ninguém a não ser uma serra, ter sempre o sentido de orientação que o faça levar à estrada e seja socorrido.

4º e último – Levar um telemóvel com o nº de contacto do director da prova.

A Prova

A expectativa era grande. Iria correr num local onde há cerca de 2000 anos atrás soldados da legião romana tinham feito aquela via romana que ligava Bracara Augusta e a Asturica Augusta. Mas nós não iríamos correr só na Geira. Haveria outros caminhos que teríamos que subir e descer, serra acima serra abaixo, tentando ter sempre em atenção as fitas, vermelhas e brancas, que nos indicariam o caminho e aí, uma distracção, pode ser fatal.

Sete da manhã. Depois de uma noite mal dormida, o Pára tinha uma hemorragia no nariz onde estava difícil estancar o sangue, juntamente com o Daniel (a Susana iria fazer os 15km), a equipe TANDUR, a Otília e o Brito, José Magro e tantos outros amigos, vamos para o local de partida em Lóbios (Espanha). Aqui encontro o “Júlio César”, com óculos e tudo, hoje, até com os “romanos”, é só modernices.


Depois da alocução sobre a prova, e dos "Ave César", eis a partida, já passava das nove e já se fazia sentir algum calor, para os 52,512km da Geira Romana. Sigo com um grupo compacto, tirando aqui e ali algumas fotos, olho para trás e vejo o Pára parado agarrado ao nariz. Sangrava copiosamente. Volto e fico com ele até aparecer um elemento da organização e ali o Pára ficou. A coluna já ia longe, vou ao alcance dela e junto-me de novo ao grupo. Teríamos cerca de 7km de subida até à fronteira. Ia atrás da Analice quando, em terreno “pantanoso”, ela sobe para uma pedra e pára, contando que ira saltar para a pedra seguinte eu, já em salto, não tive outro remédio senão enfiar o ténis direito no lamaçal, resultado o ténis ficou enterrado e tive que o “pescar” cheio de lama e pedras, a meia também ficou imediatamente suja. Retiro o maior e sigo. Mais em cima, num pequeno riacho (uma constante na prova), lavo o ténis e a meia. Lá tive que recolar de novo. Até à fronteira (Portela do Homem) correu tudo bem e ali estava o Moutinho (o director da prova) a incentivar-nos.


Moutinho com uma boina paraquedista, vestido de centurião, na fronteira.


Um abastecimento só de água e lá vamos de novo. Aqui vou com um grupo onde incluía a Rosa com os seus fones (ler artigo sobre Almourol). Pouco depois a Rosa tem um autêntico "espalhanço", tropeçou numas raízes e foi ao chão. Lá a levantamos e depois surge o primeiro erro. Não vimos as fitas e íamos seguir saltando um pequeno rio, a nossa sorte é que passa naquele momento a Otília e nos diz que o caminho era pela ponte (travessia do Rio Homem, na Albergaria) onde havia um primeiro controle (levávamos no dedo um chip que era colocado num aparelho que assinalava a nossa passagem).


A ponte do caminho certo.


Seguimos mas a Rosa começa a ficar para trás. Como só estávamos os dois e eu não a queria deixar sozinha, aguardo que um grupo se chegue e deixando-a tento apanhar a Otília que, como eu, ia tirando fotos do percurso. A distância já era muita, mas como não estava com problemas físicos sigo em bom ritmo. Os marcos miliários sucedem-se.


A paisagem envolvente era linda. Perco-me ali a tirar algumas fotos não perdendo a Otília de vista.


A meu lado, a Albufeira de Vilarinho das Furnas. Lindo, espectacular e aqui começou o princípio do meu fim. Mais umas fotos. Naquele momento deixei de ver a Otília. Fiquei perplexo. Onde se teria metido?
Reparem na foto abaixo, vêem uma fita em baixo no lado direito? A máquina viu-a, eu não a vi.


Como não a vi segui em frente. Não via nenhuma fita nas árvores mas como era calçadão pensei que para a organização não valeria a pena, embora o Moutinho nos tivesse alertado que se não houvesse uma fita entre 100 a 200 metros era sinal que não estávamos no caminho certo. Olho para baixo, para a Albufeira, e vejo corredores num trilho. Como é que tinham para lá ido? Não via nenhum caminho e sigo sempre. Passam os bombeiros por mim e como nada me dizem penso que estou no caminho certo. De repente vejo uma estrada e pessoal a correr. Vi que estava enganado. Grito para os bombeiros a perguntar se estava enganado, e eles nessa altura disseram-me que sim, que teria que voltar para trás. Não escrevo aqui o que me ia na alma, percorri mais de 1km perdido e eles viram-me e nada disseram. Volto para trás sempre olhando para o chão e vejo as fitas que não tinha visto. Uma descida maravilhosa até ao rio e foi aí o segundo controlo (junto da Barragem de Vilarinho das Furnas).

Vejo o último classificado acompanhado pelo elemento da organização em BTT. Eu era o último atrás do último. Soube que tinha tido uma quebra de tensão e tinha caído, mas não quis desistir. Acabou a prova já fora de controlo mas acabou.

Volto a passar pelos mesmos bombeiros, que aqui referi, mas já no caminho certo. Mais uns marcos com inscrições romanas.


Como me sentia bem, deixo o meu companheiro e sigo sozinho. Encontro um casal de espanhóis e fomos juntos até ao terceiro controlo (no Museu da Geira).


Casal espanhol numa ponte romana


Aqui já o abastecimento era com sólidos. Estava lá um dos amigos dos Abutres (Bandarra), que tinha torcido um pé (ainda íamos com a Rosa) e tinha desistido. Enquanto o casal fica a descansar eu sigo caminho. Vejo uma cerca com cavalos mas não eram os tais “garranos” (cavalos característicos desta zona) que queria ver. Vejo fitas, muitas fitas (mais tarde disseram-me que eram fitas que tinham ficado da Geira anterior) com marcos indicadores da Geira para cima e para baixo (eram pilares de madeira a indicar também o caminho). Não sabia o que fazer, fui seguindo as fitas que pareceram correctas mas tendo a ideia que parecia uma pescadinha com o rabo na boca. Volto a encontrar outros bombeiros que me disseram que estava no trajecto correcto. Mas eu sabia que tinha perdido tempo ali às voltas (outros mais experientes que eu também se perderam e alguns em situações graves). Sigo em frente na estrada, pouco, e algo estava mal. Não via fitas. Volto para trás e ali encontro o casal de espanhóis. Aí confirmei que tinha andado perdido. Tinham ficado a descansar e ali estavam de novo ao pé de mim. Vimos as fitas e lá fomos pelo campo. Resolvi nessa altura ir com eles. Já não iria encontrar a Otília e assim iria com os espanhóis até ao fim. De novo estrada, fitas do lado direito, e eis nós em plena serra. Lamaçal aqui e ali. Subidas e descidas em pequenas e grandes pedras para evitar ao máximo a lama. Salto para uma grande pedra e tento saltar para terreno sólido, o pé escorrega, tento desesperadamente segurar-me, finco a perna e sinto o músculo da coxa rasgar. Caio desamparado e os espanhóis tentam levantar-me. Não conseguia. Para que eles não perdessem tempo mando-os seguir. Foi o meu maior erro. Fiquei só, mal podendo andar, num lugar sem nada nem ninguém, só eu e a serra.



(continua)

10 comentários:

Susana disse...

Eh pa oh Mário isto correu mesmo mal desta vez possa! Deve ter sido mesmo má a experiência... concordo quando diz que nunca sabemos tudo! Sempre a aprender, mas percebo-o!

ana paula pinto disse...

Li atentamente este relato (espero a continuação).
Um percurso que um dia, quando for numa atleta (sorrisos) gostaria de fazer...

Lamento que tenha corrido mal.

.JOSÉ LOPES disse...

Boa noite Mário

Parece que a "coisa" não correu como o previsto, neste tipo de provas surgem sempre imprevistos, que muitas vezes não conseguimos controlar.

Deviam sinalizar melhor o percurso ou distribuir mapas aos atletas.

As melhoras e rápida recuperação da distensão muscular.

Essa aliança com os espanhóis deu azar.

Aguardo o resto da história

Coms cumps
J.Lopes

Anónimo disse...

olá Amigo Mário
Companheiro de Sicó e Almourol:
- quanto ao relato, detalhado, a transportar-nos para o cenário idílico da prova.
- quanto à prova: correu mal, paciência, mas é passado, ficam as liçoes aprendidas.
- quanto à rotura: é tempo de curar, repousar, reactivar com calma e seguir em frente.
Forte abraço
Boa recuperação, mais provas e esta em particular estarão à espera. Valeu mais uma aprendizagem.
AB - Tartaruga

joaquim adelino disse...

Ainda por cima, fiquei aos 200metros, mas a Geira não se vai ficar a rir.
Aguardo o resto da odisseia, com muito interesse, ontem não me contaste tudo.
Abraço.

amantes da corrida disse...

Olá amigo Mário,

Apesar da prova não ter corrido da forma como desejava, tirou ilações e aprendeu e aprendemos todos dias como tão bem mencionou.

Fiquei triste porque denotou neste texto, também alguma tristeza, mas foi só uma prova que correu menos bem, e o Mário com toda a astúcia e espiríto de campeão irá superar e tirar vantagem do erros cometidos nesta corrida, e isto vê-se como começa, dando conselhos aos principiantes.

lamentável foi também os bombeiros, não terem avisdao que estava no caminho errado:-((

Mesmo assim, apesar de aguardar o resto da epopeia, aqui fica as minhas felicitações!

Um grande e forte abraço companheiro!

António Almeida disse...

Companheiro
lamento que as coisas não tenham corrido como tu e nós mesmo esperavamos.
Fica a experiência e a aprendizagem.
Como acabei de dizer lá no blog do "pára" caso façam gosto voltarei a fazer a Geira na vossa companhia.
Forte abraço do teu amigo corredor, da pequena bailarina e da Isabel.

João António Melo disse...

Amigo Marius, os deuses desta vez parece que não estiveram do teu lado, mas de tudo se tiram ilações que vão enriquecendo (ainda mais!?) a vida. Já ontem tinha lido estas tuas peripécias mas não tive oportunidade de deixar um comentário. Espero que a lesão não seja grave. Um abraço!

Vitor disse...

Amigo Mário,
Partimos todos com a mesma intenção terminar a prova, lamento o que lhe aconteceu.
Nada de ficar desanimado, agora e recuperar e voltar a fazer-nos companhia nas provas e no convívio.
E verdade ate a maquina viu!!
Rápidas melhoras
Grande abraço
Vitor

Pedro Ferreira disse...

Mário,
Só agora tive conhecimento desta epopeia!
Espero que já estejas melhor!
Grande abraço!